Ostentar É Estar Viva
“Ninguém duvida de mim sem mentir para si mesmo.”
Com essa frase de autoria própria, grafitada sobre um grande espelho, a artista e ativista carioca Panmela Castro, atuante no campo das artes e em diversas frentes de luta há quase duas décadas, inaugura sua primeira exposição individual em São Paulo. Sua pesquisa artística é difícil de enquadrar em uma única categoria ou linguagem e, nesta mostra, ela apresenta ao público um universo de elementos heterogêneos que incluem pinturas figurativas e abstratas, desenhos, grafites sobre espelhos, esculturas em bronze, impressões de telas do Instagram, vídeos de stories, fotografias, luzes de néon, joias, bijuterias, proposições interativas e muito mais. Trata-se de um conjunto interdisciplinar que explora as possibilidades de compreender o que significam arte, vida e sobrevivência no atual sistema-mundo fragmentado, que também mercantiliza corpos, subjetividades e paisagens.
A trajetória da artista teve início nos subúrbios do Rio de Janeiro, onde, ainda na infância, desenvolveu espontaneamente o interesse pela pintura e, na juventude, mergulhou no universo do graffiti nos bairros da cidade. Panmela Castro formou-se e tornou-se mestre em artes, além de fundar, há mais de uma década, a Rede NAMI, projeto que promove a prevenção da violência de gênero por meio da arte. Sua atuação multidisciplinar a levou a conferências internacionais, instituições de arte e eventos de cultura urbana em diversos países. De modo geral, suas preocupações se voltam para grupos historicamente marginalizados e periféricos, o que também se relaciona à sua própria biografia. No entanto, seu pensamento e prática artística, embora incluam essas temáticas, vão além delas e escapam do terreno comum das discussões identitárias — necessárias, mas por vezes previsivelmente formatadas — no campo da arte contemporânea.
Ao longo de sua trajetória, Panmela Castro reinventou-se artística e politicamente até alcançar a performance como método de criação. Hoje, desenvolve obras que são, em última instância, o resultado de longos processos em que arte e vida tornam-se inseparáveis. É o caso dos retratos sobre tela que vemos na Galeria Luisa Strina, originados de experiências com pessoas de diferentes círculos, em um percurso que levou à exposição em apenas oito meses, durante a pandemia. A mostra se organiza em cinco Constelações, definidas pela artista a partir de pessoas centrais no desenvolvimento dos conjuntos, em que se agrupam diferentes peças geradas a partir dessas vivências. Cada constelação, por sua vez, pode ser entendida como uma rede que se conecta a outra, tornando a exposição um corpo formado por múltiplas vozes, materialidades, personagens e imagens.
“Ostentar é Estar Viva” apresenta a radical e inquieta experimentação estética de Panmela Castro, bem como o ímpeto crítico de suas ações, que, além de cuidadosamente pensadas, não estão desprovidas de ironia, humor, deboche e espaço para o acaso. O título reflete sobre a autoestima e o triunfo de sobreviver cotidianamente em um sistema social violento e extrativo. A exposição se apresenta como uma grande narrativa de encontros, rituais e processos de transformação que comunicam relações de confiança e cadeias de cuidado em um conjunto não convencional de mídias. Vemos, assim, a profusão de suportes e visualidades protagonizadas por imagens de diferentes pessoas que habitam — ou habitaram — o universo da artista, incluindo o próprio espectador, refletido nas superfícies espelhadas de várias peças. A mensagem pulsa: somos seres únicos, merecedores de amor-próprio e de respeito dos outros, sem julgamentos.
“Ostentar é Estar Viva” é uma mostra que é, de certo modo, autorreferencial, performática em seu procedimento e essencialmente mediática, inspirada em visualidades gangstar, espiritualistas, queer, digitais, acadêmicas, da pichação e de muitas outras origens. Ao mesmo tempo, o repertório teórico, artístico e estético da artista é vasto, abrangendo um espectro de referências que vai das proposições de Yoko Ono às narrativas visual-literárias de Sophie Calle, dos autorretratos de Catherine Opie às pinturas de Rubem Valentim, das esculturas e textos de Louise Bourgeois às reflexões de autoras e autores como Lélia Gonzalez, Angela Davis, Ana Cláudia Lemos Pacheco, Freud, Nietzsche, Abdias Nascimento, Paul B. Preciado, Simone de Beauvoir, Didi-Huberman, Georges Bataille, Frantz Fanon, entre muitos outros nomes das artes, da filosofia e do pensamento crítico.
A obra de Panmela Castro, portanto, contém múltiplas camadas de compreensão e possibilidades de interpretação que não se esgotam em clichês de diversidade facilmente absorvidos pelo mercado. Suas peças, proposições e ambientes incorporam a complexa multiplicidade da cultura contemporânea e transformam narrativas de existência em trabalhos visuais e plásticos que se afirmam e se consagram no mundo de maneira política, original e apaixonada.
— Daniela Labra (Curadora)
























